Por que, apesar deles, as campanhas políticas podem mudar nossas vidas para melhor este ano
Candidatos só pediam votos. Agora precisarão aprender a pedir dinheiro e terão que descobrir como fazer campanha com menos espetáculo e mais ideias.
Percebeu que todos os últimos grandes escândalos políticos registrados no Brasil estavam ligados ao financiamento de campanhas? Mensalão e Lava Jato são dois deles. Isso é porque as disputas eleitorais hoje custam caríssimo e alguns políticos aparentemente acabam vendendo a alma para juntar o dinheiro que precisam. Aécio e Dilma declararam gastos de 600 milhões de reais nos três meses de campanhas em 2014. Para fechar as contas, quando abre a janela para captação de doações, os políticos precisam conseguir dinheiro ao ritmo de quase 280 mil reais. Por hora! Outra comparação mostra a grandeza do espetáculo: as campanhas Aécio e Dilma gastaram quase tanto quanto a Coca-Cola gastou em publicidade no ano inteiro em 2014.
Tudo em campanha política é grandioso. É preciso montar uma agência enorme, com as melhores cabeças disponíveis, da estaca zero, para funcionar a todo vapor por apenas três meses. Quem topa entrar na dança cobra caro. O marqueteiro, o chefe de toda operação, chega a cobrar 70 milhões de reais, algo como 800 mil reais por dia.
Mas este ano o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que as empresas não poderão mais financiar campanhas. Com a medida, os candidatos precisarão buscar o dinheiro do fundo partidário, ou podem recorrer ao cidadão comum. Para diminuir a secura, a presidente Dilma turbinou o fundo partidário este ano, que terá quase um bilhão de reais dividido por todos os partidos. No entanto, boa parte desse dinheiro já está comprometido com as obrigações correntes das siglas. Come se sabe, alguns partidos têm hábitos extravagantes. Em novembro do ano passado divulgou-se que o pequeno Pros, com apenas 12 deputados federais, usou o fundo para comprar um helicóptero de 2,4 milhões de reais.
Restará ao candidatos enfrentar o seu José da Silva para pedir dinheiro. Nos Estados Unidos a eleição é financiada assim. Mas a política americana já tem uma indústria inteira voltada para fazer captações em época de eleições. Há profissionais formados, análises de big data para encontrar os mais propensos a doar e, sobretudo, uma cultura nacional que legitima os esforços de arrecadadores. Mesmo assim não é fácil. Em uma de suas melhores performances, em 2012 o presidente Barack Obama arrecadou cerca de 700 milhões de reais — de um eleitorado maior, com menos razões para reclamar e mais rico do que o brasileiro.
Aqui no Brasil a inteligência ainda não se empolgou a analisar os efeitos do financiamento exclusivo por pessoa física. Eu mesmo tenho falado com políticos, advogados e gente que trabalha em campanhas. Fico com a impressão de que ainda estamos todos em transe. Os políticos estavam acostumados a despejar sua propaganda, as pessoas estavam habituadas a ignorá-la e muita gente que trabalha no mercado esperava entrar o dinheiro da campanha para trocar de carro.
Só que muitos estão lembrados de uma campanha que viram em 2014. Os filmes anunciavam as maravilhas de uma viagem de primeira classe em um cruzeiro para o Caribe. Quando as pessoas receberam seus vouchers descobriram que o navio era um pouco menor e as acomodações eram no porão. Em vez de diminuir, como foi prometido, a conta de luz aumentou. O dólar, o desemprego, a inflação, tudo disparou. Quando o acusaram de fazer propaganda enganosa, o governo se ofendeu. Mas o fato é que eles incentivaram todo mundo a torrar e gastar porque a gasolina estava barata e o preço da luz elétrica iria cair. Se fosse objeto de um julgamento no Conar essa campanha provavelmente sofreria reprimendas.
Mas propaganda política é uma espécie de vale tudo, quanto mais arredondados e palatáveis os números melhor. Então, aqui estamos no porão. Alguns já precisaram fazer bicos para fazer limpeza no convés. Os políticos precisarão se dirigir a essas pessoas e pedir dinheiro a elas. Precisarão convencê-las de que merecem sua confiança e de que vão pagar com juros o capital investido.
Além de obrigar políticos a calçar as tais sandálias da humildade, a nova regra de financiamento tem outros benefícios. Podemos, quem sabe, estar entrando em uma era de campanhas mais baratas. Com menos efeitos especiais e mais ideias. Sonhar não custa nada.
Alexandre Secco é jornalista e sócio da Medialogue Digital. É especialista em comunicação digital. Coordena o comitê de marketing político digital da Abradi (Associação Brasileira dos Agentes Digitais). Passou por Exame, Veja e Folha de S.Paulo. secco@medialogue.com.br