O analista do departamento financeiro usava uma conta falsa de email para mandar fotos indecentes para colegas de trabalho. Flagrado, recebeu um puxão de orelha e fez as promessas de sempre, de paz e redenção. Um mês depois, voltou a operar sua distribuidora de lixo digital e chocou todo mundo com a montagem de uma foto que mostrava a cabeça de uma das gerentes no corpo de uma moça desinibida. De tão bem feito, o negócio pegou algumas pessoas de surpresa. A imagem ainda foi distribuída para uma lista de dezenas de milhares de e-mails, dessas que camelôs vendem por dez reais. Foi parar em sites dedicados a pornografia. O analista foi demitido por justa causa. Então, a temporada de terror começou.
Depois da demissão, o sujeito ganhou tempo para trabalhar. Cadastrou o telefone do diretor em um site de relacionamentos. Preencheu uma declaração de Imposto de Renda com lucros mirabolantes em nome de uma ex-colega. Exibiu seu virtuosismo como operador de Photoshop criando imagens cada vez mais realistas e desagradáveis de ex-vizinhos de mesa em cenas quentes, vestidos de presidiários… Montou um blog em defesa da liberação da maconha e o atribui ao estagiário. Pelo WhatsApp, distribui uma ficha policial falsificada de um outro gerente, com foto, carimbo e o indiciamento pelo artigo 171. Estelionato. Surgiram canais no Facebook, contas no Twitter, tudo anônimo. Correu pela companhia a história, divulgada em emails, de uma fraude contábil em operações de venda de máquinas. Por ter descoberto os tais crimes, dizia o email, o analista fora dispensado. Sim, o setor passara por uma auditoria de rotina. O que torna esses ataques especialmente perigosos é o embaralhamento de fatos conhecidos e verdadeiros com ficção, pois confusões desse tipo sempre deixam dúvidas e uma pergunta: será? .
O susto — O departamento se reuniu para discutir o assunto, chamaram os especialistas, e chegou-se a conclusão de que o analista cansaria em breve e que ninguém acreditaria naquelas bobagens. Afinal, era a palavra de um analista rancoroso, demitido por justa causa, contra uma empresa admirada e um grupo de profissionais de primeira. Erraram feio. Começaram a perceber isso quando um cliente mandou um email perguntando se era verdade — vai saber, não é?. Dizem que onde há fumaça há fogo…..Então a filha do diretor levou um susto ao pesquisar o nome do pai no Google para um trabalho de escola que pedia a árvore genealógica da família.
— Pai, é verdade isso?!
Foi a gota d’água. Caiu a ficha. O mundo da internet é regido por regras próprias. A verdade nem sempre prevalece e os bons nem sempre ganham. Mentiras e boatos ganham asas, em questão de segundos se espalham e, o mais assustador, convencem e ganham partidários.
O assédio virou caso de polícia. O primeiro delegado não sabia como registrar a ocorrência. Essa é uma coisa nova, sabe? Um outro sabia fazer como fazer o BO, mas avisou que seus recursos para lidar com a situação eram restritos. Quebrou-se o sigilo e o culpado foi “achado”. Nem precisava. Todo mundo sabia quem era. Continuou com suas brincadeiras. Cinco meses depois foi condenado a multa de dez mil reais. A Justiça vem andando rápido nesses casos. Mas ele alegou que não tinha recursos para pagar e continuou se divertindo ao Photoshop. Na prática, um cyberstalker de criatividade mediana consegue impor prejuízos gigantescos, assumindo pouquíssimo risco. Com noções básicas de direito e uma ideia de como funciona a internet e seus protocolos, pode operar em segurança quase total.
Baratas em rasantes — As pessoas tentaram remover conteúdos caluniosos do Google e do Facebook, mas era preciso atacar um a um. Limpar a casa demoraria anos e custaria muito dinheiro. O marco civil da internet diz que só com a autorização de um juiz as redes sociais podem fazer a faxina. Complicado.
Um climão contaminou o departamento. Uma moça se demitiu, uma rapaz pediu licença, dois outros foram diagnosticados como vítimas de síndrome do pânico. Muitos tinham medo de abrir o computador. Outros abriam seu email e contas sociais obsessivamente. A produtividade caiu, as prioridades mudaram. Era como se todos estivessem em vigília constante, a espera de baratas que saíam de frestas escondidas, invadiam as salas repentinamente, davam rasantes, causavam terror e sumiam.
Um único cretino, armado de um computador simples conectado à internet e uma cópia pirata de um programa de edição de imagens colocou duas dezenas de pessoas de joelhos, causou uma dor imensa a seus amigos e familiares e obrigou diretores e VPs de uma sólida corporação a deixar as estratégias de negócios para tentar entender a lógica de um mundo sem lei.
Dias atrás, a revista Time publicou um artigo de capa indagando se os trolls, cyberstalkers e outros bichos das redes de esgoto da internet estariam vencendo a batalha do bem contra o mal no mundo digital. O caso, verídico, do analista demitido, deixa muitas e muitas dúvidas no ar. Engana-se quem pensa que essa história é incomum. Estudos recentes realizados no Reino Unidos revelam que o crime de cyberstalking está por trás de casos de depressão, suicídio. A experiência mostra que o problema também está ligado a baixa produtividade no trabalho, atingindo a saúde de indivíduos e o lucro de empresas. Vários países já adotaram legislações específicas e já tipificaram o cyberstalking, tornando-o crime. O Brasil já começou a discutir projetos semelhantes. Até lá… Bem, até lá empresas e indivíduos precisam reforçar suas blindagens. Mas esse é assunto para a próxima.
PS.: Este é o relato de um caso enfrentado por um de nossos clientes, divulgado com sua autorização. Nomes foram omitidos por razões óbvias.
Alexandre Secco é jornalista e sócio da Medialogue Digital. É especialista em comunicação digital. Coordena o comitê de marketing político digital da Abradi (Associação Brasileira dos Agentes Digitais). Passou por Exame, Veja e Folha de S.Paulo (secco@medialogue.com.br).