Por Alexandre Secco
A mentira é uma dessas verdades da vida. Atire a primeira pedra quem disser o contrário. Adolescentes escondem suas primeiras experiências no mundo das drogas. Os mais jovens, os boletins. Candidatos a um emprego omitem aquele detalhe, chefs de cozinha não falam do extrato de tomate em lata que usam em suas cozinhas. Mecânicos, corretores de imóveis. E os políticos, sempre os políticos. Conseguiram elevara a mentira a padrões constrangedores. Mas esses são apenas alguns exemplos, sem hierarquia de importância. O ponto é que a mentira evoluiu e ganhou novos recursos, como uma espécie que se adapta às mudanças no ambiente. Atingiu estado de arte, segundo uma reportagem de capa da revista The Economist dessa semana. Transformou-se, tendo como seu novo habitat um mundo onde as pessoas transferiram parte de suas vidas para as redes sociais.
As velhas mentiras costumavam ser discussões em torno de fatos verdadeiros: o extrato de tomate, o boletim, o álcool, o currículo, a propina na obra pública… Mentirosos do velho mundo pré-digital correm o risco de ser desmascarados, sem margem para contestações, como mostram os empreiteiros da Lava Jato.
No mundo das redes sociais é diferente. Agora a mentira é só uma questão de opinião. Em muitos casos, os fatos e as evidências não importam, como nas discussões em torno do impeachment da presidente ex-Dilma, um episódio emblemático. Versões totalmente diferentes foram defendidas com tanto entusiasmo que somos levados naturalmente à conclusão de que alguém está mentindo.
Essa mentira 2.0 afeta várias áreas de nossas vidas, o trabalho, lazer, até a convivência familiar. Diferente do que a tecnologia prometia, mais pluralidade, liberdade e novos horizontes, a vida nas redes sociais nos acomoda em nichos confortáveis, onde todos concordam mais ou menos com as mesmas verdades —e mentiras. As possibilidades diminuem, o espírito crítico curva a espinha para as recomendações. Se 30 amigos já testaram e aprovaram, qual o porquê de contestar, ou de continuar procurando? O simples interesse pelo outro lado pode nos expor aos julgamentos e críticas da tribo, o grupo do WhatsApp, os amigos do Facebook… É a vida.
Publicado originalmente no LinkedIn.
Alexandre Secco é jornalista e sócio da Medialogue Digital. É especialista em comunicação digital. Coordena o comitê de marketing político digital da Abradi (Associação Brasileira dos Agentes Digitais). Passou por Exame, Veja e Folha de S.Paulo (secco@medialogue.com.br).