Reputação Digital e férias na Disney, por Alexandre Secco

O governo americano anunciou recentemente que poderá usar informações obtidas em redes sociais para avaliar a concessão de vistos de entrada no país. Pode ser que, para conhecer Mickey Mouse, tenhamos que ser bons moços e moças na web. A notícia chamou atenção por tocar em um tema sensível, mas não é uma iniciativa isolada do que eu chamo de BDI — bisbilhotice digital institucional. Já faz um bom tempo que as empresas de recrutamento de mão de obra avaliam o perfil e a reputação digital dos candidatos. Bobagens como aquele post besta sobre as alegrias de ouvir Bob Marley em uma sala enevoada já custou a vaga de muita gente.

Em um caso assustador, uma adolescente americana surpreendeu-se quando teve o pedido para tratamento psiquiátrico negado e processou a segurado para descobrir a razão. A resposta: segundo a empresa, ela teria mostrado em seu perfil no Facebook comportamentos estranhos desde pequena, quando não tinha cobertura, o que foi avaliado como doença pré-existente. Diante do susto geral e de uma forte reação de organizações de defesa de consumidores, a seguradora jogou a toalha e, por enquanto, esqueceu o assunto. Mas, como saber…

O que essas histórias revelam é a medida de nossa exposição em tudo que mostramos e dizemos em redes sociais. Para a maior parte das pessoas, Facebook, Twitter, YouTube, etc, são mundos paralelos, apenas espaços relaxados de convinvência, onde vez ou outra imagens indiscretas e outros conteúdos embaraçosos azedam o caldo.

Para governos e empresas, a internet é um campo aberto, regido por leis em construção, onde se trava uma disputa ferrenha por poder e dinheiro, como em filmes de Hollywood. Para um indivíduo, a notícia de que o Facebook pretende integrar os números de telefone do WhatsApp com a rede social é só um detalhe da vida. Para o Facebook significa incorporar um bilhão de pessoas, através de seus números de telefone, à sua plataforma de anúncios e, consequentemente, seu poder de fogo diante dos concorrentes. Aliás, concorrentes?  Do lado do governo, a possibilidade de agrupar pessoas, por exemplo, por suas preferências políticas e religiosas, monitorá-las sistematicamente e indentificá-las por seus IPs, ou outro recurso qualquer,  significa exercer um tipo de controle jamais visto. Você pode estar brincando quando o assunto é privacidade em redes sociais. Essa turma não.

O mundo passa muito tempo discutindo revoluções sacramentadas como a globalização, o aquecimento global e, agora, a internet. Não quero engrossar esse coro. Esse é o mundo em vivemos. Mentes mais pragmáticas desenvolvem a habilidade de pensar em situações diferentes sob a mesma ótica: como reduzir riscos e ampliar ganhos. Em um mundo de vigilâncias sabidas e ocultas, pragmatismo e canja de galinha não fazem mal a ninguém.

Alexandre Secco, diretor da Medialogue

Alexandre Secco é jornalista e sócio da Medialogue Digital. É especialista em comunicação digital. Coordena o comitê de marketing político digital da Abradi (Associação Brasileira dos Agentes Digitais). Passou por Exame, Veja e Folha de S.Paulo (secco@medialogue.com.br).